Sou mais um na Multidão

Outro dia estava ouvindo uma música interpretada por Erasmo Carlos, que em certo momento afirma: "(...) sou mais um na multidão".




Fiquei pensando na tristeza de ser mais um, sem diferenciais, sem destaque, fazendo de todos iguais, homogêneos, e no limite, invisível, como sugere o quadro "Operários", de Tarsila do Amaral:

Crédito: Shutterstock.com

Esta reflexão me levou ao seguinte questionamento: podemos considerar a existência de excluídos para Cristo? Para Ele, há pessoas que desaparecem na multidão, tornando-se invisíveis?
Imediatamente me veio a mente a passagem em que Jesus pede água para uma mulher samaritana:

"Havia ali o poço de Jacó. Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por volta do meio-dia.
Nisso veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: "Dê-me um pouco de água".
( Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida. )
A mulher samaritana lhe perguntou: "Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber? " ( Pois os judeus não se dão bem com os samaritanos. )
Jesus lhe respondeu: "Se você conhecesse o dom de Deus e quem lhe está pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado água viva".
Disse a mulher: "O senhor não tem com que tirar a água, e o poço é fundo. Onde pode conseguir essa água viva?
Acaso o senhor é maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, bem como seus filhos e seu gado? "
Jesus respondeu: "Quem beber desta água terá sede outra vez,
mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Pelo contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna".
A mulher lhe disse: "Senhor, dê-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui para tirar água".

Interessante notar aqui que Jesus, a fonte de água viva, inicia diálogo com um personagem excluído da sociedade, quase invisível, mais uma na multidão.
Excluído por ser mulher. Neste contexto, mulheres não possuem direitos, são submissas e não servem como testemunho. Imagino que se fosse outro, procuraria, para se revelar, pessoas com maior autoridade para disseminar o fato de ter tido um encontro com o filho de Deus. Mas não Jesus.
E além de mulher, era samaritana e, como demonstrado no próprio texto bíblico, os samaritanos não se davam com os judeus. O conflito entre judeus e samaritanos vinha de longa data, deste a divisão das 12 tribos em dois reinos: de Judá, com capital em Jerusalém, e Israel, com capital em Samaria. Devido as divergências políticas e  teológicas, os judeus consideravam os samaritanos como uma raça inferior, como se fossem párias da sociedade. Um judeu falar com um samaritano, ou considerá-lo como seu próximo, era altamente improvável.
Mas não para Jesus, que se aproximou e conversou com uma mulher, samaritana, e pecadora:

Ele lhe disse: "Vá, chame o seu marido e volte".
"Não tenho marido", respondeu ela. Disse-lhe Jesus: "Você falou corretamente, dizendo que não tem marido.
O fato é que você já teve cinco; e o homem com quem agora vive não é seu marido. O que você acabou de dizer é verdade".
Disse a mulher: "Senhor, vejo que é profeta.
Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar".
Jesus declarou: "Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém.
Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus.
No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura.
Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade".
Disse a mulher: "Eu sei que o Messias ( chamado Cristo ) está para vir. Quando ele vier, explicará tudo para nós".
Então Jesus declarou: "Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você".

Imagine o quão excluído era este personagem: uma mulher, e assim, sem autorização para dar testemunho, samaritana, e assim, considerada parte de uma raça inferior, e pecadora. E Jesus sabia de tudo isso, pois ele revelara o segredo da mulher, ao desafiá-la a chamar seu marido. Ele se revela, se aproxima, e expõe seus pecados, não para puni-la ou para entregá-la aos seus pares. Mas para possibilitar que se arrependesse, que compreendesse que não era mais uma na multidão.
Ao oferecer água viva, do qual ele era a fonte, Jesus está dizendo: em que depositas suas esperanças? Onde buscas solução para seus problemas, ou para aquietar sua alma? Em pessoas e relacionamentos? Ou no dinheiro, no trabalho ou na religião? Isto é ser mais um na multidão: quando temos sede, e buscamos saciar nossas necessidades em coisas, pessoas ou em nós mesmos. Quando não nascemos de novo.
Quando aceitamos Jesus, quando nascemos de novo, passamos de mais um, para um, especial para o Pai. Interessante o fato de que o relato em que Cristo trata da necessidade de nascer de novo está há um capítulo desta narrativa:

"Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo"
.
Na Bíblia, nada é por acaso.
Jesus está demonstrando que o que nos afasta de Deus é o pecado, é o fato de assumirmos que a salvação pode estar não em Deus, mas em outras coisas que assumem o Seu papel, e que pode ser, inclusive, nós mesmos.
Jesus não quer que sejamos mais um na multidão, mas que nasçamos de novo, e assim, passemos a ter acesso a fonte de água viva.
Há outra passagem em que Jesus aparenta ter sede: na cruz, pouco antes de sua morte.

Por volta das três horas da tarde, Jesus bradou em alta voz: "Eloí, Eloí, lamá sabactâni? " que significa: "Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? "
Quando alguns dos que estavam ali ouviram isso, disseram: "Ele está chamando Elias".
Imediatamente, um deles correu em busca de uma esponja, embebeu-a em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e deu-a a Jesus para beber.
Mas os outros disseram: "Deixem-no. Vejamos se Elias vem salvá-lo".

Quando encontra a mulher samaritana, Jesus tinha sede física, humana. Na cruz, mais do que sede humana, sua sede é divina, por estar sendo separado do pai (por que me abandonaste?), ao receber nossos pecados.
O que nos separa de Deus são nossos pecados, recebidos, neste momento, por Jesus. Por isso sente sede, sede da mesma água que prometera para a mulher samaritana.
Jesus demonstra novamente que não somos mais um na multidão, pois morreu pelos meus e seus pecados, por mim e por você. E apenas por Ele temos a salvação: Ele se aproxima; Ele nos inquieta, nos expõe; Ele é a fonte de água viva. Afinal Jesus é o messias, e da mesma forma que falou com uma mulher samaritana pecadora, pode falar comigo, pode falar com você.

DIANTE DO TRONO - Águas purificadoras




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