O Grande Irmão

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Até que ponto os devaneios proféticos de poetas e escritores tornam-se realidade? A literatura está permeada por alusões futurológicas que, incrivelmente, tornam-se realidade. Sabemos que todo texto está vinculado ao seu contexto, ou seja, para entendermos uma obra faz-se necessário conhecermos o autor e seu tempo e, a partir daí, identificar os aspectos políticos, culturais, sociais, econômicos e ideológicos que marcaram sua elaboração. Sabemos, também, que cada época / leitor dará significado distinto a mesma obra, possibilitando que todo texto esteja permeado por uma diversidade de significados, fazendo dela uma obra aberta. Neste sentido, o profetismo estaria mais no olhar de quem lê do que de quem escreve, pois o leitor acaba por identificar semelhanças entre o tempo do autor e o seu próprio.
Trato aqui, especificamente, da obra intitulada “1984”, de George Orwell, que serviu de inspiração a diversos filmes como “O Show de Truman”, “Brazil: o Filme” e “1984”, além do realitty show que alude a um dos personagens centrais da obra, o Grande Irmão, ou, Big Brother. A obra é escrita no ano de 1948. Sendo assim, o autor refere-se a uma sociedade futura, em que o autoritarismo daria lugar a liberdade, numa referência direta ao Socialismo Soviético sob liderança de Stálin e ao Nacional Socialismo (Nazismo) de Hitler. Três aspectos chamam atenção em seu texto: a manipulação da memória, o controle direto sobre os indivíduos e o empobrecimento da linguagem, sendo estes elementos tidos como estratégia de controle e dominação. O caráter profético está no fato de que Orwell, ao pensar estes elementos em uma sociedade futura e autoritária, acaba descrevendo uma realidade (hoje) presente e possível em uma sociedade liberal. Vejamos.
O personagem central do livro trabalha em um setor do Ministério da Verdade, o MiniVer, que tinha como função controlar e manipular os fatos históricos, dando caráter de verdade a elementos que, até o momento, poderia ser considerado mentira. Um inimigo que se torna aliado deixa de aparecer nas revistas, livros e noticiários como inimigo. Aliás, nunca o fora, sendo proibida qualquer referência neste sentido. A memória passa a ser manipulada de tal forma que os cidadãos nunca sabem o que realmente ocorreu sendo preferível, então, aceitar a verdade como é dita.
Para evitar discursos e ações opostas aos interesses dos governantes, os indivíduos são constantemente vigiados por telas, pela figura do líder, o Grande Irmão. Esta, porém, tem uma característica específica: além de ver, é possível ser visto, estando presente em todos os ambientes: no trabalho, nas ruas, nos bares e nas casas. Não há como escapar, restando para os homens e mulheres adequarem-se aos tipos e comportamentos aceitos, sem questionamento. O terceiro aspecto é a língua. Sabendo que o vocabulário é um elemento fundamental para a formulação de pensamento complexos e para que o diálogo seja efetivo parte-se para uma tentativa de simplifica-lo. Daí surgiu uma nova língua, a novilingue, que parte do princípio da eliminação de termos e junção de outros, sendo que de tempos em tempos termos seriam eliminados ou substituídos. Com isso, há uma tentativa de inibir a reflexão e, assim, a ação contrária aos interesses dominantes.
Atualmente acompanhamos a realização do mundo descrito por Orwell, porém, em um contexto distinto. Vivemos em uma época que predomina alguns preceitos, que denominamos de democracia, cidadania e liberalismo. Estes pressupõe a liberdade individual de escolha e a ação na defesa de seus direitos, desde que respeitado o Estado Democrático e suas leis. Poderíamos imaginar que os elementos descritos acima seriam inviáveis em uma sociedade com tais características. Porém não é isso o que o ocorre: a manipulação da memória é um fato, tanto pelos órgãos de impressa como pelas elites mundiais. Daí encontrarmos alusões a inimigos históricos de certas nações que, até pouco tempo, eram aliados; ou referências a países que vivenciam um desenvolvimento econômico efetivo, mas sem referências ao fato de que este foi possível graças a anos de ditadura; ou ainda a permanência de lideranças que pertenceram aos quatros do regime militar brasileiro. Nossa memória é curta não por que assim o que queremos, mas pelo fato de ser manipulada, em especial pela defesa do imediatismo e da busca de prazeres incessantes, elementos presentes em outra obra clássica, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Hoxley.
Somos ainda vigiados o tempo todo, seja pela câmeras presentes nas ruas, lojas, escolas e bares (sorria: você está sendo filmado), ou nas nossas próprias casas, quando delegamos a empresas privadas a defesa de nossos lares. Somos vistos ainda quando usamos cartão de crédito, telefone celular ou internet, possibilitando que empresas e governo tenham acesso aos nossos rendimentos e padrão de consumo, que pode resultar tanto em fiscalização quanto em folhetos e propagandas que, na maior parte das vezes, são indesejáveis. Por fim, temos a novilingue contemporânea: a linguagem de computador, que vem simplificando e eliminando conceitos, o que pode levar a dificuldade de elaboração de pensamento complexo ou, até mesmo, de expressão de desejos e sentimento. A televisão vem incorporando está tendência, seja em suas propagandas ou em programações especificas, como o caso da tv a cabo que legenda seus filmes com este padrão.
Se há profetismo na obra de Orwell, não posso afirmar. Porém me preocupa o rumo que a sociedade ocidental vem tomando, sendo obrigação dos educadores chamar atenção para estes elementos e proporcionar espaços de reflexão para uma ação efetiva contra o poder, cada vez maior, do Grande Irmão.

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